segunda-feira, julho 05, 2010

Carpe Noctem - Parte II.



Drácula – Bram Stoker

Em 1897, Bram Stoker escreveu o mais popular livro de vampiros de todos os tempos. O tema vampirismo já havia sido abordado em outras obras, como “O Vampyr”, de Polidori, e “Carmilla”, de Sheridan Le Fanu. “Drácula” é considerada a obra-prima do gênero e foi o responsável por popularizar vampiros e lançar as convenções sobre o tema que são utilizadas até hoje. Stoker utilizou lendas do leste europeu e lhes deu uma nova roupagem. Utilizou de uma figura histórica, Vlad Stepes, o Impalador, cuja crueldade não tinha limites e era conhecido por beber sangue de seus inimigos. Até relatos de uma espécie de morcego do Novo Mundo que se alimentava de sangue foram utilizadas como fonte de idéias (Para o infortúnio dos morcegos, diga-se de passagem).

“Drácula” é um epistolário, onde diários de várias pessoas e recortes de jornais montam a estória. Nos diários de viagem do Procurador Jonathan Harker, conhecemos o Conde Vlad Stepes, o Dracul, o último Voivode da Valáquia, nobre interessado em comprar propriedades na Inglaterra. O que era para ser uma simples viagem de negócios torna-se uma experiência apavorante. Jonathan passa de visitante a prisioneiro no castelo de Drácula. Descobre, então, que o plano de Drácula é dominar o Reino Unido (então, o mais poderoso Império da Terra) e, consequentemente, dominar o mundo. O resto da estória, em menor ou maior grau, todos conhecem: A chegada do Conde na Inglaterra, a apresentação da noiva de Jonathan, Whilelmina (ou Mina) Murray, os delírios de Reinfeld, a sedução e lenta transformação da melhor amiga de Mina, Lucy Westenra, a reação de seus admiradores e pretendente perante a sua morte (e, depois, ao seu despertar), o chamado ao Professor Van Helsing e a caçada a Drácula, que culmina em sua destruição.

Ler “Drácula” é uma experiência sublime e, em alguns momentos, torturante. Tanto pela tensão quanto pelo estilo. Muitas vezes, o autor exagera na narrativa, estendendo-a além do necessário. Tal estratégia torna-se bastante evidente ao final do livro, durante a caçada à Drácula, onde elementos desnecessários são acrescentados de modo a prolongar o desfecho. Outro fato que chama bastante atenção é a derrota de Drácula, que eu considero bastante implausível. Como uma criatura poderosa como ele poderia ser facilmente derrotado por um bando de aventureiros? A única explicação é encontrada analisando-se o espírito da época: O “mal” não poderia vencer. Vários outros livros, da mesma época, retratavam ameaças reais, alienígenas ou sobrenaturais ao Império Britânico (A chamada Literatura de Invasão). Drácula representava uma potência estrangeira que intencionava invadir e conquistar o Reino Unido.

Uma última observação: Em Drácula fica estabelecido que vampiros podem, sim, andar durante o dia, mas que neste período seus poderes nefastos estão enfraquecidos ou ausentes. Portanto, não há nenhuma novidade em “Crepúsculo” também em relação a esse fato. Bem, talvez tirando o fato da luz do sol fazê-los brilhar...

Anno Drácula, de Kim Newman

Em “Coisas Frágeis”, Neil Gaiman explica que no seu conto “Um Estudo em Esmeralda” (Recomendo!) tentava fazer o mesmo que Alan Moore em “Liga Extraordinária” e Kim Newman em “Anno Dracula”, misturando personagens de obras distintas em um único universo ficcional (Neil Gaiman ajudou a desenvolver a série e seria o co-autor). O primeiro eu já conhecia. Fiquei interessado neste último e pesquisei um pouco sobre a obra e seu autor. O livro é de 1992 e é o primeiro de uma série de mesmo nome. A edição americana estava fora de catálogo e passei anos atrás dela. Finalmente, no ano passado, ela foi publicada por aqui pela Aleph em uma edição bem bacana. É um livro de História Alternativa, onde Drácula não é derrotado, se casa com a Rainha Vitória, tornando-se então o Príncipe Consorte, e transforma a Inglaterra em um lugar onde os Vampiros são a classe dominante. Newman utiliza diversas personagens de outras obras, principalmente vampiros.

Na trama, um assassino serial, apelidado de Faca de Prata, começa a matar prostitutas vampiras em Whitechapel, retalhando-as de forma cirúrgica. Considerando a natureza das vítimas, tais crimes são considerados políticos, um ataque pessoal ao Príncipe Consorte. Uma Vampira, Geneviève Dieudonné, é encarregada pela Scotland Yard de investigar os assassinatos. Ao mesmo tempo, o Clube Diógenes, uma sociedade secreta a serviço da Rainha, encarregada de cuidar de assuntos que não podem ser do conhecimento público, encarrega o seu melhor agente, Charles Beauregard, de também investigar o caso. Eventualmente, os caminhos dos dois se cruzam e eles se unem para tentar desvendar o caso.

Em uma estratégia que lembra o “Do Inferno”, de Alan Moore, Newman desde o início revela quem é o assassino, suas motivações e seus métodos. A trama se concentra então no relacionamento de Geneviève e nas relações sociais e políticas entre a nova classe dominante, a dos Vampiros, e a dos humanos normais, Os Quentes, que muitas vezes são tratados apenas como alimento. Retrata também os conflitos decorrentes desta mudança de poder, a transformação como única possibilidade de ascensão social – só vampiros são autorizados a ocupar altos cargos do governo - e o aumento da tensão entre humanos e vampiros, que transformam a Inglaterra em um barril de pólvora prestes a explodir.

Newman tenta, nesta obra, unir as várias caracterizações de vampiros já exploradas em obras anteriores. Os vampiros, neste universo, são divididos em linhagens e sabemos que existem Vampiros mais antigos e mais poderosos do que Drácula, Os Anciões, sendo Geneviève um deles. Estabelece-se que a idade também torna os Vampiros resistentes à luz do sol. Aliás, a linhagem sanguínea de Drácula é considerada degenerada e seus “filhos” são suscetíveis aos mesmos defeitos que ele. Nem todos os Vampiros possuem aversão a crucifixos, água benta ou alho, sendo que tal fraqueza é considerada como um produto de superstição. A única coisa fatal a todos os vampiros é prata, recurso utilizado pelo assassino para matar de forma eficiente suas vítimas.

Que a Aleph publique o mais breve possível os outros livros da série.